Com a chegada da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19), muitos empregados se viram obrigados a trabalhar de casa, em sistema de home office.
Para alguns tipos de trabalho, isso deu tão certo que muitas empresas já adiantaram a seus empregados que mesmo após a Pandemia essa dinâmica permanecerá.
Ocorre que o trabalho nesses moldes, como tudo que é novo, suscita muitas dúvidas dos envolvidos.
Uma delas diz respeito à possibilidade do controle de jornada e o pagamento de horas extras.
Afinal, o empregado que trabalha em home office tem ou não direito ao recebimento de horas extras?
Segundo o artigo 74, § 2o, da CLT1, a empresa que conta com mais de 20 trabalhadores tem a obrigação de lhes controlar a jornada através do cartão de ponto ou outro meio, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
Caso isso não aconteça, em uma futura reclamação trabalhista em que o trabalhador pleiteia as horas extras trabalhadas e não pagas, a empresa não terá controles de jornada para apresentar e comprovar os horários em que o empregado efetivamente trabalhou. Nessa hipótese, presumir-se-á verdadeira a jornada indicada pelo trabalhador, segundo Súmula do Tribunal Superior do Trabalho2.
Cabe dizer que haverá essa presunção também, nos termos da mesma Súmula do Tribunal Superior do Trabalho, quando os controles de jornada apresentam horários uniformes de saída, os chamados cartões de ponto “britânicos”.
São aqueles cartões de ponto que trazem em seu bojo, por exemplo, horário de entrada às 9h00’ e saída às 18h00’, sem qualquer variação de minutos, durante todos os dias do mês.
Isso porque não é razoável admitir que uma pessoa, em todos os dias do mês, ingresse no trabalho pontualmente às 9h00’ e saia às 18h00’, sem que haja, em qualquer dia, variação de minutos na entrada ou na saída.
Essa presunção, no entanto, importante que se diga, é relativa, o que implica dizer que o empregador que não controlou a jornada do trabalhador, em uma futura reclamação trabalhista movida por esse, pode fazer prova (com testemunha, por exemplo) de que não houve trabalho em jornada extraordinária.
O artigo 62 da CLT3, por sua vez, grosso modo, estabelece que não faz jus à limitação da jornada de trabalho quem exerce trabalho externo incompatível com a fixação de horário de trabalho, quem exerce cargo de confiança, bem como os empregados em regime de teletrabalho.
Em outras palavras, os trabalhadores que se enquadram nessas hipóteses, mesmo que trabalhem mais do que 8 horas diárias ou 44 semanais, não receberão horas extras, nem poderão compensar as horas extras trabalhadas em outro dia.
No caso dos empregados que trabalham em jornada externa, é importante frisar, somente não farão jus às horas extras (a receber ou a compensar) se não for possível ao empregador lhe controlar a jornada.
Por teletrabalho deve ser entendido aquele prestado preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e comunicação que, por sua natureza, não se constituem em trabalho externo4.
Ao que parece, o trabalho em home office se enquadra nos moldes do teletrabalho.
Nesse contexto, por conta do já referido artigo 62, aquele que trabalha em home office não teria direito a receber horas extras ou compensar essas horas em outro dia de trabalho.
Ocorre que é possível verificar várias decisões de Tribunais Trabalhistas do país no sentido de conceder horas extras nos casos de teletrabalho em que o empregado sofre um controle de jornada por parte do empregador, a exemplo do que ocorre com o empregado que exerce trabalho externo.
Sabido que muitas empresas hoje em dia têm total controle dos horários de trabalho dos seus empregados em home office, inclusive com sistemas que identificam se o trabalhador está ou não manuseando o mouse do computador ou conectado ao sistema da empresa.
Dessa forma, se é possível que o empregador verifique se o empregado está lhe prestando serviço por pelo menos 8 horas, nada mais justo que em sendo exigido do empregado o trabalho em sobrejornada, seja-lhe concedida a devida contraprestação.
1 Art. 74. O horário de trabalho será anotado em registro de empregados.
(…)
§ 2o Para os estabelecimentos com mais de 20 (vinte) trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções expedidas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, permitida a pré-assinalação do período de repouso.
2 Súmula no 338 do TST
JORNADA DE TRABALHO. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nos 234 e 306 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2o, da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de freqüência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário. (ex-Súmula no 338 – alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. (ex-OJ no 234 da SBDI-1 – inserida em 20.06.2001)
III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ no 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)
3 Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.
III – os empregados em regime de teletrabalho.
4 Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Sobre o autor:
Lucas Mansano Fiori: Advogado do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale; Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil e Empresarial e Tributário, ambas pela Universidade Salesiana de São Paulo; Pós-graduando em Direito Tributário e Aduaneiro pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.