Desde o surgimento das redes sociais online, esses sites e aplicativos geraram uma dúvida quanto ao alcance do poder diretivo do empregador. Mas afinal: eu posso ser punido pelo que posto nas minhas redes sociais privadas?
É certo que, na internet, as redes sociais criaram todo um novo formato de relacionamento entre pessoas, o que impacta, também, no relacionamento entre empresas e clientes, bem como clientes em potencial. Tornou-se rotineiro, antes de contratar os serviços de determinada empresa, pesquisar seu nome nas redes mais comuns e buscar tanto avaliações positivas quanto reclamações e avaliações negativas para auxiliar na tomada de decisões.
Por isso, a imagem de uma empresa ou de um prestador de serviços online pode ser considerada, atualmente, parte do seu patrimônio imaterial, já que está diretamente vinculada à capacidade da empresa de captação de novos clientes e de manutenção da sua reputação no mercado.
Nesse sentido, não causa estranheza que a empresa tenha interesse em preservar sua imagem digital, o que inclui a tentativa de remoção de conteúdos que sejam prejudiciais, que podem compreender postagens reclamando de atitudes dos gestores da empresa, com palavras de baixo calão, vídeos revelando falhas ou até mesmo postagens excessivamente descontraídas acerca do ambiente de trabalho, que sejam percebidas, pela empresa, como nocivas à sua imagem.
No entanto, se o empregador localizar uma publicação negativa efetuada por um de seus funcionários, ele pode aplicar alguma punição ao empregado?
São 5 os principais cenários:
1) Se a postagem foi efetuada utilizando as contas comerciais da empresa, não há muito espaço para dúvidas: sim, é possível que o empregador aplique alguma punição ao funcionário responsável por uma publicação negativa feita em nome da empresa.
2) Se a empresa conta com regulamento proibindo o uso de redes sociais durante o trabalho e essa norma é violada, bem como se a postagem do trabalhador revela dados confidenciais da empresa ou de seus clientes, há possibilidade de aplicação de punições.
3) Se o empregado, afastado do trabalho, por exemplo, com atestado médico, publica foto em que aparece com a sua saúde íntegra, se divertindo em uma festa, viagem, entre outros, esse empregado também pode ser punido por ter entregue um atestado falso.
4) Se o empregado fez uma postagem sem qualquer relação com o trabalho, em rede social privada, durante o seu tempo livre, sem mencionar a empresa, seus superiores ou seus colegas, a princípio essa postagem se enquadra no direito do empregado à liberdade de expressão e não está ao alcance do poder punitivo do empregador.
5) E no caso de um funcionário que, após o término da jornada, em conta própria de rede social particular, publica ofensas ao empregador, que toma ciência dessa publicação?
Nesse caso, precisamos relembrar que nenhuma liberdade é absoluta, todas têm limites, não sendo possível justificar ofensas e difamações sob o manto do direito à liberdade de expressão.
Além disso, é certo que o contrato de trabalho pressupõe boa-fé tanto do empregador, quanto do empregado. Por isso, a depender do conteúdo da postagem, ela pode, ainda que inserida em rede social particular, caracterizar a quebra dessa boa-fé e da confiança. Cogita-se até mesmo da rescisão do contrato de trabalho em razão dessas postagens e, a depender do conteúdo, essa rescisão pode ocorrer até mesmo por justa causa.
Isso porque o artigo 482, “j” e “k” da CLT preveem que um dos motivos para a justa causa é, exatamente, ato lesivo da honra ou da boa fama no serviço e/ou contra o empregador e superiores hierárquicos. Dessa forma, sim, ofensas que fujam ao descontentamento do dia-a-dia podem ocasionar uma dispensa por justa causa.
Temos recentes julgados defendendo que os excessos praticados pelo empregado, ainda que em perfil particular de redes sociais, podem, sim, ser punidos pelo empregador.
No entanto, mesmo no caso de ofensas publicadas pelo empregado, é preciso que a empresa exerça seu poder punitivo com cautela, observando a mesma boa-fé que se exige do empregado. Afinal, não é qualquer ofensa que autorizará uma justa causa, sendo necessário analisar, caso a caso, o teor, a publicidade e os impactos negativos efetivos e potenciais da postagem.
Por isso, precisamos exercer extrema cautela com as postagens que decidimos publicar vinculando nosso nome, seguindo a velha máxima da terceira lei de Newton, de que “toda ação tem uma reação”.
O papel do advogado, então, é essencial para ajudar a definir se uma punição por publicações dessa natureza foi ou não excessiva e, se sim, quais as medidas judiciais cabíveis.
1 DISPENSA POR JUSTA CAUSA – FALTA GRAVE – MENSAGEM POSTADA EM REDE SOCIAL (FACEBOOK) – CONFIGURAÇÃO – (…) o reclamante, com o seu comentário ofensivo, além do uso de palavras de baixo calão e o expresso desejo de obter a própria demissão, aviltou a reputação de sua empregadora, como dos seus colegas de trabalho, na maior e mais representativa rede social do mundo na atualidade (Facebook), dando ensejo à justa causa para a ruptura do liame empregatício pelo empregador, na forma do artigo 482 (…)”. (TRT-2 10007168320195020027 SP, Relator: NELSON BUENO DO PRADO, 16ª Turma – Cadeira 4, Data de Publicação: 05/08/2021).
JUSTA CAUSA. PRÁTICA PELO EMPREGADO DE ATO LESIVO DA HONRA OU DA BOA FAMA. PUBLICAÇÃO DE COMENTÁRIO NO FACEBOOK. Comentário que desqualifica o trabalho da empresa reclamada em página pública de rede social viola a boa-fé objetiva e autoriza o rompimento do contrato de trabalho por justa causa. Sentença mantida. (TRT-4 – ROT: 00201792420185040733, Data de Julgamento: 30/01/2020, 9ª Turma).
2 Não há nas críticas à gestão da empresa contidas nos comentários pronunciados em rede social a potencialidade ofensiva capaz de vulnerar a honra e a imagem da reclamada perante terceiros, sobretudo considerando a limitação de alcance das páginas eletrônicas no Facebook do próprio reclamante como também do colega de trabalho em que foram veiculados os comentários. Ademais, os comentários estão albergados pelo princípio da liberdade de expressão, garantia prevista no artigo 5º, IV, da Constituição Federal. (TRT-17 – 0001034-15.2017.5.17.0002, 3ª Turma, DEJT 11/11/2019).
“(…) Possível considerar que se tratou de uma “brincadeira totalmente inapropriada”, tal como alegado em defesa. Pueril, seria um bom adjetivo a qualificar o ato do autor. Mas, não se trata de um ato faltoso de natureza grave, hábil a violar a fidúcia necessária à manutenção da relação de emprego, mormente a se tratar de empregado que não recebera qualquer punição anterior (…)”. (TRT-2 – 10001892520205020051 SP, 11ª Turma, DEJT 19/07/2021).
Sobre a autora:
Marina Costa Rosa Sant’ana: Advogada do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).