Não é novidade que a classe bancária possui direitos especiais, detentores de benefícios diferenciados. O embaraço que muito é questionado pela própria categoria é a razão pela qual existem esses direitos. Muitas vezes, a desinformação gera o desinteresse por esses direitos.
Os profissionais enquadrados como bancários são considerados como categoria diferenciada em consequência das condições de vida singulares, diferenciação observada desde 1933, quando conquistado – através de greves e reivindicações em prol da saúde – o direito à redução de jornada de 48 (quarenta e oito) para 36 (trinta e seis) horas semanais.
Neste período, em decorrência da exigência de concentração exorbitante em relação às contagens de altos valores monetários, foram observados prejuízos físicos e mentais para a classe, em função da grande responsabilidade e pressão que a atividade impõe. Nesta época, quando não havia ferramentas de alta tecnologia para auxiliar nas tarefas, problemas relacionados a coluna vertebral desses empregados eram recorrentes, devido ao debruçamento ocasionado pelo trabalho, além de más condições sanitárias e salários incompatíveis.
Com a Consolidação das Leis do Trabalho em 1943, houve inclusão formal através do artigo 224 da jornada de trabalho reduzida para tais subordinados em prol dos malefícios causados aos bancários, sendo considerada a atividade penosa e desgastante. Na década de 90, os bancários contavam com maior autonomia em suas funções, com maior liberdade para direção e tomada de decisão.
Dessa forma, no parágrafo segundo do mesmo artigo da Consolidação, foi previsto o pagamento de uma gratificação pela função aos bancários com maiores responsabilidades e poderes, recebendo por compatibilidade um valor maior do que o bancário comum que, em contrapartida, deveria atuar por período de trabalho maior, sendo de 8 (oito) horas gratificadas, sem o benefício da redução das 6 (seis) horas diárias.
No decorrer do tempo, com a automatização de ações, a designação de encargos aos bancários foi diminuindo. Com os sistemas computacionais, as atividades começam a ser delimitadas, sendo transferidos poderes de gestão diretiva para uma minoria de indivíduos com amplo controle sobre as próprias funções, podendo coordenar e fiscalizar outros colaboradores junto com as novas tecnologias, sujeitos estes ao enquadramento jurídico de cargo de confiança, conforme a CLT.
Os trabalhos efetuados em departamentos e agências bancárias tornam-se setorizados, classificados em diversos níveis de hierarquia de cargos, sendo os empregados sujeitos a uma cadeia de pessoas como suporte umas às outras. Com essa nova realidade, a maioria dos bancários já não estariam enquadrados como em cargos de confiança, mas continuaram trabalhando por oito horas diárias sem o recebimento de nenhuma gratificação pelos esforços excedentes. Vivenciando este cenário, uma infinidade de processos começam a ser impetrados na Justiça do Trabalho pleiteando tais direitos.
Por motivos óbvios, em defesa às demandas, muitas instituições financeiras começaram a submeter seus empregados a cargos com nomenclaturas que supostamente seriam utilizadas para aqueles com atribuições de ampla gestão, camuflando o verdadeiro exercício profissional, na tentativa de sujeitá-los ao parágrafo segundo do artigo 224, justamente para o não recebimento de horas extras a partir da 6 (sexta) hora trabalhada.
Certo que essas tentativas foram frustradas, motivo pelo qual o direito a 7/8 horas ainda é muito solicitado nos tribunais.
A pergunta que surgiu com o tempo foi, se houve mudanças nas atividades dos bancários com o passar do tempo, porque ainda há esse direito?
Os meios mudaram, mas os resultados não. O trabalho permanece sendo considerado desgastante visto que grande parte desses profissionais sofrem diversos distúrbios, tanto psíquicos quanto físicos. A alta pressão psicológica permanece presente nesse tipo de atividade, causando síndrome do pânico, hipertensão, LER-DORT (Lesão por esforço repetitivo), doenças cardiovasculares, síndrome Burnout (Distúrbio psíquico causado pela exaustão extrema) entre outros.
É de se pensar que se desde os anos de 1990 já ocorriam distúrbios e transtornos comportamentais em prol do trabalho, hoje, inseridos na “era da velocidade”, a utilização de ansiolíticos aumentou exponencialmente, principalmente em locais tais quais são os bancos, onde há cobranças exacerbadas que levam ao constrangimento e opressão.
A tentativa de tornar essas realidades um sistema normal e esperado, em que o trabalhador entre em conformidade com modelos de negócio abusivos, não deixa de ser mais uma manobra capitalista inteligente, causando a mitigação do princípio trabalhista “in dubio pro operário” (Na dúvida, a favor do empregado), pela própria coletividade do certame.
Para além de normas relativas à jornada de trabalho e horas extras, como muito bem explicado no artigo da GFSA ( https://gfsa.com.br/horas-extras-de-um-bancario-um-guia-com-tudo-o-que-voce-deve-saber/ ), que especifica e classifica quais são os indivíduos passíveis de adquirir tais direitos, outras situações inseridas na rotina do bancário requerem atenção, pois ensejam em conflito com os demais direitos consagrados nas leis brasileiras do trabalho.
Portanto, é de grande importância que os trabalhadores de empresas de crédito e financiamento tenham o acompanhamento de advogado competente nesta área do direito, fornecendo suporte à tramitação ocasionadas pelo vínculo empregatício entre empregado e empregador, em conformidade com a Justiça.
Sobre a autora:
Ângela de Vargas Ferrareze: Consultora e assistente do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Bacharelanda em Direito na Universidade Anhembi Morumbi; tem cursos em finanças corporativas, assédios no ambiente de trabalho e direito desportivo.