O Brasil foi ao Japão e contrariou a lógica. Foram 21 medalhas, sendo 7 de ouro. A melhor participação do país na história dos Jogos Olímpicos. Um feito gigante, alimentado muito mais pela excepcionalidade dos atletas do que por uma política de incentivo ao esporte. Mas o fato é que terminamos os jogos comemorando, bem diferente do que aconteceu com nossos antepassados.
Devido a uma cisão no movimento esportivo brasileiro, em 1936 o Brasil chegava aos Jogos de Berlim com duas delegações rivais! Isso aconteceu em função de uma disputa que ficou conhecida como “dissidio esportivo” ou “cisão esportiva”.
Foi a senha que faltava para que o Governo Vargas se apropriasse do esporte.
Isso mesmo, na Olimpíada de Berlim, em 1936, o Brasil mandou duas delegações, e o fato, como não poderia ser diferente, repercutiu muito mal externamente e internamente.
Isso aconteceu em função de uma disputa que ficou conhecida como “dissidio esportivo” ou “cisão esportiva”.
Nos anos de 1930, Arnaldo Guinle, dirigente do Flumninense) e Rivadávia Meyer (dirigente do Botafogo) travaram uma disputa pela organização do futebol. De um lado, a defesa do futebol entre profissionalistas (FBF – Guinle); do outro, os amadoristas (CBD-Rivadávia). Essa desorganização interna do futebol acabou gerando repercussão no próprio Movimento Olímpico Brasileiro.
A história é contada no ótimo livro Constituição e Esporte, de Wladimyr Camargos. Aqui, um trecho importante desse momento:
“Guinle passa a ter o controle do campo que reúne os mais representativos setores do esporte, porém sem poder se vincular ao sistema FIFA, e Rivadávia determina os rumos da CBD, filiada à FIFA, mas pouco representativa. O problema de legitimidade interna da CBD passa a ser resolvido com sua proximidade com Luiz Aranha e a liderança do governo Vargas.”
Assim, o caminho para a desorganização e o vexame histórico estava desenhado.
A confusão causada se apresenta ao mundo nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim, quando duas delegações distintas de atletas e entidades brasileiros chegam à Alemanha.
Em 1935, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) é reorganizado pelo grupo de Guinle e organiza uma delegação. Do mesmo modo, a CBD de Rivadávia envia outra equipe.
Como lembra Wladimyr, “os jogos de Hitler assistiram a um verdadeiro pandemônio por parte dos brasileiros, e o representante oficial do governo Vargas no evento era nada mais nada menos que Lourival Fontes, chefe do Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que viria a se tornar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)”
Um observação sempre necessária: Lourival era um notório fascista
Isso teria sido a gota d’água para a decisão já estudada por Getúlio Vargas de intervir no esporte.
esporte é extremamente popular, e o total distanciamento do Estado é quase inimaginável. Getúlio Vargas foi o primeiro governante brasileiro a entender esse papel do esporte – e tratou de tutelá-lo
Um movimento natural à época, até pela natureza do Estado Novo, que tinha grande preocupação social, mas também era populista, autoritário e extremamente nacionalista.
Em 1941, Getúlio edita o Decreto Lei 3199, uma espécie de primeira Lei Geral do Esporte no Brasil, tutelando o esporte. Ou seja, o governo se apropriando do esporte como instrumento político devidamente legalizado.
Mas o Brasil já tinha pagado o mico de 1936.
Cuidar do esporte internamente é desafio permanente do movimento esportivo. O Brasil brilhou em Tóquio, com uma delegação olímpica, coesa e com atletas brilhantes; mas o futebol passa por um racha histórico, com consequências ainda imprevisíveis, mas que a história contará.
Sobre o autor:
Andrei Kampff: Sócio do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Advogado graduado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e jornalista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Atua na área do esporte há mais de 25 anos, tendo participado dos principais eventos esportivos do mundo; Pós-graduado em Direito Esportivo pelo Instituto Ibero Americano de Direito Desportivo e mestrando em Direito Desportivo pela PUC. Criador do Portal Lei em Campo e colunista de direito desportivo na Lei em Campo e no UOL. É conselheiro do Instituto Ibero-Americano de Direito Desportivo