EXERÇO, DE FATO, CARGO DE CONFIANÇA BANCÁRIO?

      Antes de adentrarmos no mérito da questão em si, é importante ponderarmos que a jornada de trabalho do bancário limita-se a 6 horas por dia, essa jornada tem história. 

    Há muitos anos, houve a primeira greve da categoria, cujo motivo dizia respeito à reivindicação de melhorias salariais e sanitárias, pois na época havia grande incidência de tuberculose e neurose.

      O resultado da referida greve foi positiva, nascia à redução da jornada de trabalho de 6 horas aos bancários. Essa vitória teve como fundamento a saúde do trabalhador, tanto física como psicológica, pois na época todo o serviço era feito de forma manual, com esforço repetitivo, trazendo vários problemas para a saúde física do trabalhador. 

     Com o passar do tempo, muito embora a tecnologia tenha melhorado a parte manual, as metas impostas e o risco de assaltos, apenas modificaram a causa do desgaste do trabalho em estabelecimento bancário.

      Feita essas considerações, é importante trazermos à tona os dois artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que cuidam da questão. 

      Em primeiro lugar, o artigo 224 da CLT leciona a regra geral da jornada de trabalho do bancário, os quais possuem uma fidúcia intermediária, bem como os sujeitos à exceção desta, vejamos:

Art 224-“A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana.”

      O referido artigo em seu parágrafo 2º menciona a exceção à jornada de 6 horas:

Parágrafo 2º- “As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.”

        Extrai-se da leitura acima, ainda que o referido artigo estabeleça a jornada de trabalho do bancário, a mesma não define o que configura o cargo de confiança, dado isso a corriqueira sonegação de pagamento das horas extras que excedem à sexta diária.

      Salienta-se, por apropriado, para se falar em cargo de confiança é imprescindível à observância das tarefas executadas diariamente, bem como o recebimento da gratificação de função, cujo valor não pode ser inferior a um terço do salário do empregado. O intuito da gratificação de função diz respeito à remuneração das horas trabalhadas além da 6ª diária, logo, o empregado exercente de cargo de confiança tem a jornada de trabalho de 8 horas.

      Todavia, a fim de elucidar a demanda, o mero pagamento de gratificação de função, segundo o teor do artigo supracitado, não significa que o bancário exerça cargo de confiança, posto que para a correta configuração, imperioso a observância das tarefas praticadas no dia a dia de trabalho, tendo em vista a proteção do Princípio da Primazia da Realidade, vez que referido princípio define que mesmo existindo algum documento expressamente indicando o contrário, o que predomina, de fato, é a realidade e não o formalizado no contrato de trabalho.  Conforme elucidado, são requisitos simultâneos, ou seja, é necessário à análise das atividades cotidianamente praticadas, tal como o recebimento da gratificação de função.

      Para tanto, ante a inexistência de conceito taxativo sobre o tema, listamos abaixo algumas atividades indispensáveis para que haja a configuração do cargo de confiança, ponderemos:

  • Poder de advertir um funcionário;
  • Poder de remanejar um assistente, estagiário, ou seja, determinar transferência para outra agência;
  • Admitir/demitir;
  • Autonomia para conceder crédito além daquele parametrizado no sistema do Banco sem necessidade de aprovação de superior;
  • Administração de carteira de clientes. Entende-se por administração, o poder de remanejar livremente; em caso de transferência do responsável para outra agência, a consequente transferência também da carteira junto deste; exclusividade, isto é, outro bancário não possui acesso;
  • Acesso a informações sigilosas de clientes, ou seja, somente aquele bancário pode deter, de forma contrária, não há que se falar em acesso confidencial, pois outros funcionários do banco também têm acesso;
  • Participação em Comitê de Crédito com direito a VETO, havendo somente direito a VOTO, inexiste fidúcia para este.

      Corroborando o que foi relatado, a suprema corte trabalhista, Tribunal Superior do Trabalho (TST) pacificou a necessidade das verdadeiras atividades realizadas pelo trabalhador bancário, o que fez nos seguintes termos:


Súmula nº 102 do TST

BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA (mantida) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado(…)

      Tais atividades mencionadas são algumas das inúmeras tarefas de um bancário que exerça cargo de confiança, é dizer, diversamente disso não há que se falar na referida responsabilidade. Nesse sentido, em havendo necessidade de autorização, aprovação de terceira pessoa não existe autonomia, tampouco a fidúcia bancária.

      Incontroverso, portanto, por expressa previsão legal, a jornada de trabalho do bancário limita-se a seis horas por dia, fazendo jus ao pagamento como hora extra nas ocasiões em que ultrapassarem a 6ª hora. 

      Em segundo lugar, a legislação trabalhista trata também do cargo de confiança mais amplo, aquele aplicado aos empregados que possuem uma fidúcia mais vasta no cargo, assim preceitua o teor do artigo 62 da CLT em seu inciso II:

“Os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.”  

      Aqui, diferentemente do cargo de confiança já discorrido, exige-se do trabalhador uma responsabilidade diferenciada, os poderes são maiores fazendo com que o empregado seja confundido com o próprio empregador. Em consequência, a jornada se torna mais ampla também, a qual ultrapassa 8 horas por dia.

      Igualmente, se faz imperioso o recebimento do percentual denominado gratificação de função, não podendo, nesta, ser inferior a 40% do valor do salário do empregado, cujo objetivo concerne remunerar as horas trabalhadas além da 8ª diária, não havendo, portanto, que se falar em recebimento de horas extras.  

      Em termos gerais, as atividades do estabelecimento bancário são divididas a depender da área que o empregado atua, sendo que cada um tem acesso às informações necessárias para o desempenho de suas funções, sem que isso signifique, de fato, em especial fidúcia.

      Nesse sentido, em razão da insuficiência de tempo para executarem as tarefas laborais, é comum ser imputado cargo de confiança aos trabalhadores bancários, ainda que a realidade diga o contrário, resultando em consideráveis prejuízos financeiros aos empregados, pois estes perdem o recebimento das horas trabalhadas excedentes da sexta diária ou das horas que ultrapassarem a oitava, de acordo com o enquadramento legal, as quais, sendo habituais devem integrar o salário para todos os fins.

      Trata-se, portanto, de cargos, em razão de suas peculiaridades, sujeitos à atenção mais detalhada para que não haja o errôneo enquadramento de fidúcia, tal qual das consequentes lesões financeiras.

      Destaca-se, por oportuno, qualquer outro profissional que exerça cargo de confiança, deve ficar atento às atividades cotidianamente exercidas, pois em havendo o equivocado enquadramento, este também faz jus às horas extras, visto que somente o obreiro, efetivamente exercente de cargo de confiança é excluído do direito de remuneração pela jornada extraordinária praticada. 

      Conforme todo o exposto, ante a lacuna apresentada pela legislação trabalhista concernente ao conceito de cargo de confiança, recomendável a presença de um advogado para que junto do trabalhador cheguem à conclusão e ao montante devido pela sonegação das horas extras não percebidas.




Sobre a autora:

Aline Alves de Araujo Ferreira: Advogada Júnior do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Advogada graduada pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília-UNIVEM. Pós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Damásio de Jesus.v

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