QUANDO O ACORDO TRABALHISTA EXTRAJUDICIAL É UMA OPÇÃO?

    A reforma trabalhista de 2017, entre muitas inovações, introduziu o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial no direito do trabalho. Em resumo, o que a nova lei autoriza é que as partes – empregador e empregado – pactuem seu próprio acordo trabalhista, sem processo, para que apenas as condições do acordo já feito sejam submetidas ao juiz, que homologará aquele acordo, dando a ele força de decisão judicial.

    Importante notar que acordos extrajudiciais sempre existiram e, por mais mudanças que ocorram na legislação, provavelmente sempre existirão. As partes sempre tiveram a opção de transigir “por fora” do Judiciário, chegar a um consenso e buscar a solução de conflitos sem a interferência de um juiz – são os famosos “acordos de gaveta”, que contam com a boa-fé das partes para que aquilo que já fora pactuado não seja rediscutido em um processo judicial. Ocorre que essa prática tem um altíssimo grau de insegurança jurídica, justamente por não existir qualquer validação desses acordos pelo Poder Judiciário.

    Para suprir esse anseio por uma modalidade de solução de conflitos que seja, ao mesmo tempo, independente de processos e mais segura, a nova lei criou o procedimento de homologação de acordo extrajudicial.

    A teoria parece ser a solução de muitos problemas, já que não seria necessário entrar com processo trabalhista para finalizar o acordo com o empregador, o que seria, em tese, mais simples e rápido, beneficiando ambas as partes.

    Todavia, na prática, o acordo extrajudicial representa vários riscos que precisam ser observados pelo trabalhador antes de assinar qualquer documento.

    Primeiramente, para que o acordo extrajudicial seja válido, é preciso que seja apresentado em uma única petição assinada tanto pelo empregador quanto pelo empregado, bem como que ambas as partes estejam assistidas por seus próprios advogados, livremente escolhidos. Ou seja: a empresa não pode indicar um advogado para assessorar o empregado. Além disso, as partes do acordo não podem ser representadas por um único advogado ou mesmo por profissionais diferentes de um mesmo escritório. Nessa situação, haveria um evidente conflito de interesses, tornando nulo o acordo e impedindo sua homologação.

    Ademais, é necessário prestar atenção às verbas que estão discriminadas no acordo, bem como ao tipo de quitação que o empregado está fornecendo nesse documento.

    Digamos, por exemplo, que um trabalhador tenha direito a duas verbas. Se esse trabalhador fizer um acordo extrajudicial para quitar a primeira verba e, na cláusula de quitação, constar a quitação geral e irrestrita do contrato de trabalho, após a homologação do acordo pelo Poder Judiciário, o trabalhador perderá qualquer possibilidade de postular judicialmente a segunda verba a que tinha direito. Também é possível que um direito do trabalhador seja quitado por valor inferior ao que lhe seria devido em um processo judicial, o que acabaria por prejudicar o empregado, tudo em razão de uma cláusula que lhe era danosa e que pode ter passado despercebida.

    Há inúmeras controvérsias quanto à possibilidade de homologação de acordos dessa natureza e não existe, ainda, consenso no Judiciário. Vemos julgados em que o acordo é homologado mesmo com a quitação geral do contrato de trabalho[1], bem como outros em que o juiz se recusa a homologar[2] quando percebe algum desequilíbrio na avença.

    Existem, também, juízes que rejeitam acordos extrajudiciais que tratem do reconhecimento ou não de relação de emprego, justamente porque o acordo não foi precedido de processo trabalhista. Isso porque a existência ou não de vínculo empregatício constitui matéria de ordem pública, que interessa a outros além do empregador e do empregado (por exemplo, à Receita Federal e ao INSS). Por isso, a existência do vínculo não é livremente pactuável pelas partes.

    Nesse sentido, não podemos esquecer que o juiz não está subordinado à vontade das partes que firmaram o acordo e, por isso, ele não é obrigado a homologar qualquer acordo apenas por haver interesse do empregado e do empregador. Isso é ainda mais verdade na Justiça do Trabalho, que trata de direitos irrenunciáveis. Nesse sentido, a Súmula 418 do TST estabelece que a homologação de acordo é faculdade, ou seja, opção do juiz, e não obrigação absoluta.

    Os requisitos para homologação de acordo extrajudicial são previstos pelos artigos 855-B a 855-E da CLT e 840 a 850 do Código Civil. Há ainda, como visto, diversos requisitos que, conquanto não previstos pela lei, são considerados pelo juiz no momento da homologação.

    Por esse motivo, o acordo extrajudicial trabalhista é um labirinto que pode se mostrar excessivamente prejudicial ao trabalhador. A atuação do advogado, nesses casos, é essencial, pois somente esse profissional poderá aconselhar o trabalhador sobre as melhores formas de proceder.

    Por fim, diante da falta de consenso do Judiciário sobre tantos aspectos do acordo extrajudicial, frisamos que a opção que dá maior segurança e estabilidade ao trabalhador é, sempre, o processo judicial que, da mesma forma, pode ser solucionado através de acordo judicial em qualquer tempo processual. É através do processo judicial que o trabalhador tem a oportunidade de produzir provas das circunstâncias vivenciadas na empresa e, como consequência disso, obter o reconhecimento judicial de seus direitos. 

    Havendo a possibilidade de ingressar com a ação, esse sempre será o caminho mais indicado e seguro, em especial diante da autorização legal para que o processo seja objeto de conciliação, fazendo valer a vontade das partes em procedimento acompanhado, do início ao fim, pelo Poder Judiciário.

[1] https://conexaotrabalho.portaldaindustria.com.br/noticias/detalhe/trabalhista/-geral/4-turma-do-tst-valida-acordo-extrajudicial-com-quitacao-geral-do-contrato-de-trabalho/

[2] https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/justica-do-trabalho-nega-homologacao-de-acordo-extrajudicial-por-constatar-lesao-por-renuncia-a-direitos-trabalhistas




Sobre as autoras:

Marina Sant’Ana: Advogada do Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).

Angela Ferrareze: Assistente Jurídico do escritório Gelson Ferrareze Sociedade de Advogados. Bacharelanda em Direito na Universidade Anhembi Morumbi; tem cursos em finanças corporativas, assédios no ambiente de trabalho e direito desportivo.

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